Téo Mascarenhas: “O EI foi um divisor de águas, que popularizou o esporte”

Conversar com o jornalista Téo Mascarenhas é sempre um privilégio, em qualquer ocasião.

   Poder publicar aqui, em nosso site, um relato dele sobre como começou a história do Enduro da Independência, lá em 1983, é uma daquelas oportunidades que não se deve deixar passar.

   Téo foi um dos idealizadores do primeiro EI. A seguir, além de nos contar qual era a ideia quando se promoveu esta prova pela primeira vez, ele traz também uma análise bem interessante da evolução do Independência até chegar a este “quarentão bem resolvido” em 2022.

   Segue o depoimento na íntegra de Téo Mascarenhas (ele é um dos homenageados pela coordenação do EI na exposição “40 x Independência”, em  cartaz no Centro Cultural Movimento, em Socorro-SP)

   

Homenagem a Téo Mascarenhas, feita pela coordenação do EI, na exposição “40 x Independência”, em cartaz em Socorro (SP)

      

                                  Independência e vida

      “O Enduro da Independência nasceu para recriar a última viagem de Dom Pedro I do Rio de Janeiro, onde estava instalada a Corte Portuguesa, à Vila Rica, atual Ouro Preto, em busca de apoio político, antes da proclamação da independência em setembro de 1822. O percurso do Enduro, seguindo os passos da comitiva a cavalo de Dom Pedro I, segue pelo eixo do chamado Caminho Novo da Estrada Real, com um precioso detalhe.

            Depois da largada nos jardins do Palácio Imperial de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, o Enduro foi até as ruínas do Porto da Estrela, no fundo da Baía da Guanabara. Era de lá, depois de chegar de barco, que Dom Pedro I iniciava a subida da serra, rumo a Minas Gerais.

    O percurso original sofreu grandes transformações com o passar do tempo, desde a proclamação da Independência, que dá nome ao Enduro. A expansão das cidades do caminho, a modernização das fazendas e estradas foi um dos desafios para manter o roteiro o mais fiel possível ao original.

    Porém, o Enduro também precisa de desafios e entre um ponto histórico e outro, foram adicionadas muitas trilhas. O imponderável igualmente apareceu, chovendo em algumas partes, multiplicando as dificuldades, como na famosa e folclórica subida escorregadia do oleoduto entre Chapeu D´uvas (região de Juiz de Fora) e Barbacena.

    O primeiro Enduro da Independência, que também passou por Córrego Seco (Petrópolis), cruzou a Serra da Mantiqueira, pernoitando em Barbacena e seguiu para Vila Rica (Ouro Preto, sede do segundo pernoite), passando por Rio das Mortes (São João Del Rei), Queluzito (Conselheiro Lafaiete), vila de São José Del Rei (Tiradentes), finalizou com muita festa em Belo Horizonte no terceiro dia.

                                             Desafios

     “O primeiro Enduro da Independência começou muito tempo antes da largada. Uma força tarefa, com equipes de planejamento, de gerenciamento, de finanças, levantamento e cronometragem foi formada, capitaneada pela direção do TCMG, Trail Clube Minas Gerais. O desafio no levantamento e preparação do roteiro foi conjugar o percurso original de Dom Pedro I, com trilhas de vários graus de complexidade para os pilotos.

   Em tempos sem a ajuda eletrônica como celular, GPS e internet, o jeito era recorrer às enormes pranchas de papel do IBGE que forneciam um mapa com curvas de nível e o nome das fazendas. Nas fazendas, quando requeríamos permissão para cruzar os percursos mais difíceis, a resposta era sempre a mesma. Insistiam no caminho mais fácil, tentando ajudar aqueles malucos fantasiados.

      No enduro, entretanto, prevalece a estranha regra de que quanto pior, melhor. Outro enorme desafio, foi a cronometragem. Os Postos de Controle ou, simplesmente PCs, eram compostos por uma dupla, que ficava em pontos estratégicos no meio do mato, longe de tudo, anotando em uma planilha o horário exato da passagem dos pilotos”.

               

Jornalista Téo Mascarenhas: um dos idealizadores e organizadores do primeiro Enduro da Independência, em 1983

                                       Maratona         

     “Depois do percurso levantado, íamos aboletados em um carro, fora do ar, sem comunicação por dias, mostrando  “in loco”, lá mesmo no meio do mato, no ermo total, o local secreto de cada PC. O problema era a logística, palavra que não era moda, 40 anos atrás.

     Como era impossível o carro (por vezes uma prosaica e lotada Kombi) seguir o mesmo roteiro das motos, um verdadeiro quebra-cabeças era montado para descobrir cada acesso por carcomidas estradinhas até o ponto escolhido. Tudo na base dos mapas e do instinto, sem GPS, internet e celular

     Frequentemente, o local ideal do PC, demandava um tanque de guerra para acessar. Sem problemas para a extraordinária e quase anônima equipe que ainda tinha ânimo de transformar o limão em caipirinha. Sem os admiráveis PCs não existiria o Enduro de Regularidade e muito menos os vencedores.

                                       Milagre

    “Com tantas variáveis sem controle, as chances do primeiro Enduro da Independência soçobrar não eram desprezíveis. Dada a largada, não existia mais o que fazer até a chegada do dia. Sem a facilidade do celular, as notícias não tinham a velocidade necessária;

     Entretanto, o correto planejamento e gerenciamento das tarefas, incluindo um enduro simulado, verificando a planilha e todos os detalhes e o respeito ao homem do campo, minimizou as chances de algo sair dos trilhos. Porém, a caixa de Lexotan ficava por perto.

    A gigantesca divulgação do Enduro na maior rede de televisão nacional, aumentou exponencialmente as responsabilidades. Para inscrição no Enduro, foi necessário um pré-cadastro, tal foi a procura. Mesmo assim, teve piloto que dormiu na fila na sede do TCMG para garantir lugar. De alguma forma, sabiam que fariam história.

     O Enduro da Independência, realmente fez história. Foi um divisor de águas que popularizou o esporte, gerando centenas de outros enduros Brasil afora e com eles uma enorme evolução. Uma coisa, contudo, permanece quase inalterada.

                                              Evolução

  “A veterana prancheta para anotações do percurso durante a elaboração do percurso. Exatamente como uma pacata vaquinha que foi mastigando página por página da planilha, certa vez em um levantamento, durante um dedo de prosa em uma fazenda. Aí, sem os recursos eletrônicos, o remédio foi refazer tudo. Longe da ruminante.

   Entretanto, a evolução chegou para a planilha final dos pilotos. Agora um visor digital todo colorido, que também pode ser o celular, com mais uma vantagem. Vai apitando, indicando se o piloto está atrasado ou adiantado, além de ir falando em seu ouvido se é para entrar a direita ou esquerda. Um espanto da tecnologia.

   O primeiro Enduro da Independência foi disputado em duplas de pilotos. Com o extraordinário desenvolvimento dos pilotos e das motocicletas, cada vez mais potentes e sofisticadas, várias categorias foram criadas, desta vez individuais. Exigindo também percursos e médias mais desafiadoras.

   A tecnologia igualmente chegou aos PCs e à apuração. Em vez da fase, digamos, mais raiz e romântica, com os PCs físicos, lá no meio do mato, agora os pilotos são seguidos via satélite, com a possibilidade de centenas de PCs eletrônicos e até radares em zonas habitadas, por exemplo. Isso também exige maior precisão dos pilotos, aumentando a competitividade.

                                                      Quarentão

     “Este ano, a comemoração é dupla, como no primeiro enduro. O Brasil comemora os 200 anos da Independência, proclamada por Dom Pedro I em 7 de setembro de 1822 e o Enduro, que nasceu exatamente ligado à independência em 1983, a quadragésima edição.

       Poucas iniciativas duram tanto tempo. Hoje, até pais e filhos (poderia ser até netos) disputam a prova juntos, indicando a grande família formada nas trilhas. A longevidade do Enduro da Independência igualmente sinaliza que aquela filosofia inicial de perseguir o inusitado com perfeição, permanece.

       O quarentão Enduro da Independência conserva o status de uma prova mágica em função da seriedade e empenho dos organizadores e da equipe técnica, que mantém, ano após ano, um espetáculo grandioso, com cenografia esmerada, apoio de patrocinadores e poder público, atraindo pilotos de todo o Brasil.

       Ao longo do tempo, o roteiro da Estrada Real foi sendo ampliado. Porém, em todos os anos, sempre foi mantida alguma ligação com os ideais da liberdade e da independência. Tudo a ver com as motocicletas”.

 

Depoimento de Téo Mascarenhas exclusivo para o site

Edição: Misto Quente Comunicação

Fotos: Arquivo Pessoal e Léo Tavares

Edição do vídeo no Youtube: Léo Tavares

Coordenação: Lúcio Pinto Ribeiro